O Galo desperta Perdonami Giotto
O Galo Desperta Perdonami Giotto é desdobramento do desenho nomeado Perdonami Giotto, obra elaborada na linguagem do desenho (nanquim, aquarela e colagem sobre papel). O trabalho mostra uma narrativa imagética, que a artista denomina de desenho literário. “Sempre houve vontade de dar vida aos personagens”. Deste núcleo surge a idéia de animação. Assim, a obra passa por um desdobramento, de desenho à videoarte, desenvolvido em parceria com Marina Quintanilha. Finalmente os personagens despertam.
Narração:
Texto curatorial:
Quando o galo chama, não há como ignorar. Ele exige que despertemos da inércia. Mas que despertar é esse? Lenine canta “a sombra do futuro, a sobra do presente, assombram a paisagem”, e questiona “quem vai virar o jogo e transformar a perda (…)?”.
Ao referenciar os antigos que – em seu próprio tempo também apreenderam de seus anteriores, vide a valorização da Antiguidade Clássica no período do Renascimento – permanecem da sutileza de suas memórias íntimas e coletivas, Desirée Hirtenkauf nos oferece a rudeza da vida, a indulgência de seus seres em contraposição à humanidade que Giotto emprega em seus anjos, estreitando a distância entre céu e inferno, vida e morte.
Desenho, colagem e aquarela: técnicas unidas, através de um olhar atento, narram o raiar de uma vila que, assim como o dia, ascende e cai. Nesta, há a aura rude da realidade posta em linhas tênues, há o galope, há a queda. A existência como breve passagem, um aglomerado dual. Preparação e movimento, fantasmas do que virá a ser. O fim iminente, anunciado, dança por entre os personagens criados, colados, riscados por Desirée. A própria artista dança com suas criações, doa-lhes a capacidade de dançar. Primorosa é sua habilidade ao equilibrar delicadeza, memória e tempo, tensionando a circularidade dos dias ao ilustrar a dor da morte líquida.
Tudo se anima, performando uma coreografia, quando “O Galo Desperta Perdonami Giotto”. O amontoado de micro-histórias provoca-nos a sentir. A roda da vida esmaga, tal qual as duras estruturas em que estamos inseridos não perdoam certos corpos. As pessoas se vão, mas as construções ficam. Uns equilibram-se majestosamente enquanto outros são carregados por Caronte. Ficam a memória, o instante, o cheiro da flor e o fruto de tuas mãos, guarda-os no coração.
Daniele Barbosa
Pesquisadora, educadora e curadora em Artes Visuais
Bacharelanda História da Arte/ UFRGS
Narração:
Desirée Hirtenkauf
Nasceu em Estrela. Atualmente reside e trabalha na cidade de Lajeado. Filha de pai iugoslavo e mãe brasileira, ingressa na escola de balé clássico aos cinco anos, importante caminho que usufrui, para conectar-se ao mundo. Aos doze anos entre na oficina de pintura. Cursa o técnico em Desenho de Publicidade, no segundo grau. Depois, cumpre parte das faculdades de Direito, Letras e Administração. Em paralelo, segue explorando a pintura. Em 2002, recebe um convite para expor numa coletiva artística. A partir de então, a arte torna-se protagonista. De 2009 a 2016 frequenta o Atelier Livre de Porto Alegre, onde se reconecta ao desenho, levada pelas mãos do professor Renato Garcia. Foi o início de uma investigação sobre esta linguagem, que se tornou recorrente na sua produção. Atualmente, segue sua pesquisa a partir da linguagem do desenho e seus desdobramentos.
Narração:
Obras
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Parte I – Desenho Título: Perdonami Giotto Audiodescrição
Narração |
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Parte II – Animação Título: O Galo Desperta Perdonami Giotto A animação é desdobramento do desenho Perdonami Giotto. Conta sobre a vida de uma vila fictícia. Os moradores existem entre a alegria e a tristeza. Há danças, vôos, interações, nascimentos e mortes. Falo da existência como breve passagem. É uma narrativa fluida e espontânea. Precisava dar asas aos personagens. Há muito imaginava esta hora. Assim, elaborei o roteiro e a Marina Quintanilha, artista que desenvolve um lindo trabalho com animação, deu vida ao desenho. Na manhã de 13 de março de 2020, o galo Rafael desperta a vila. Entre seres humanos, outros nem tanto, entre animais e vegetação, entre moradas e rios, há mais um dia a ser experienciado. Os afazeres se repetem em círculos. De súbito, a morte aparece e arrebata o negro Marco Antônio, de forma trágica. Eis a vida com a única certeza que nos oferta; o fim. E o que é o fim? Onde está? A vila fica em sobressalto e sem dar tempo, a morte vai completando as pequenas canoas de Caronte. Ele é o barqueiro responsável por transpor os fluidos ao Portal. Navega remando fortemente sobre o rio. São muitos mortos. O peso é descomunal. Em todo lugar pode- se ouvir a Lacrimosa. A vila carrega pesar e tristeza imensas. É preciso purificar o espírito para ascender ao céu. A igreja a imprimir o estigma do pecado e o homem sempre a dever perdão. Da torre, o rei esbraveja destemido. Novas configurações mudam, rapidamente, o funcionamento da vila. Incrédulos e atemorizados, os moradores procuram defesa contra a virulenta morte. O umbral é mistério, é passagem, é gemido, é dor. Seria a vida o próprio purgatório? Ao cabo e ao fim, o fluido evapora e se eleva. Estaria livre o espírito com o fenecimento do corpo? Entre a luz e o breu, na vila tudo volta a caminhar morosamente, à luz da ciência. E ficaremos a perguntar, sempre a perguntar. O que há depois da montanha? Narração |
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Parte III – Micro-histórias Recorte um – A riqueza não te exime Título: A riqueza não te exime Audiodescrição Sombria é a mansão. Onde estarão as vidas que desfrutaram as horas, os minutos e os segundos da ostentosa construção? Certamente, os moradores fruíram de grandes festejos, se enfastiaram de boa comida, se regozijaram com sexo, voltearam pelos salões. Houveram ali conchavos, acordos políticos, sussurros, meias-palavras e grandes mentiras. Servidos e muitos serviçais. Gentes enfastiadas e gentes exploradas, por gentes enfastiadas. Houve quem ditasse o destino alheio, fazendo-o curvar como degrau da imponente escadaria. Houve amor? Paixão? Melancolia, sim. A vila ficou arruinada. Dois séculos passaram. A mansão foi edificada e abrigou uma tal família Pedici, dona de metade da Europa. Todos morreram após a peste. Hoje, a mansão abriga lembranças, histórias e urubus. Narração |
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Recorte dois – o Capital Título: O Capital Audiodescrição Ahh… a catequização! À sombra da árvore, em nome do senhor e com a promessa do paraíso, os enviados discursam. Blá-blá-blá e sempre a mea culpa a transformar o coitado em servo. O medo a ensinar, o medo a converter, o medo a encolher o homenzinho. No princípio acontecia à sombra da Oliveira, sob o olhar do anjo. Hoje, templos e mais templos se proliferam. A construção civil cresceu vertiginosamente. O homem a encolher, as árvores a sumirem do mapa, e os bancos à espreita. Narração |
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Recorte três – A liberdade Título: A liberdade Audiodescrição Enquanto o homem-anjo espreitava atrás da árvore, uma das poucas que restou, a garota exibia suas habilidades sobre o triciclo. Quando completou cinco anos, os pais a matricularam na excelente escola de ginástica, da vila. Compraram uniforme, sapatilha, presilhas para o cabelo e compraram uma babá que levava a menina às aulas semanais. A mãe trabalhava na casa dos Müller. Lavava roupa, esfregava o chão e cozinhava para família. O pai era o jardineiro e também responsável pela limpeza da piscina. Uma piscina olímpica! Ele estava a arrancar as ervas daninhas do jardim, havia muitas, quando viu uma cobra. No susto pulou para a roda do triciclo que começou a girar. Então, ele agarrou-se ao pneu e gritou por socorro. Não sei ao certo se a menina havia perdido a audição, se a casa estava vazia; sei que ele foi atropelado e esmagado pela roda da vida. Há um documento por ali, que fala em abolição. Durante a vida, Marco Antônio não usou desta condição. Sua Adélia fala que a liberdade chegou com a morte. Narração |
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Recorte quatro – A miséria humana Título: A miséria Humana Audiodescrição Tantos rostos roubados da vida, jogados à terra, arrastados pela miséria, suplicantes de dignidade e desesperançados. Tantos rostos ganharam asas enquanto deveriam dançar. A vida e suas brincadeiras irônicas, a rir pelas costas. Alguém dança para outro chorar. A gangorra arbitrária sobe os privilegiados e desce os desvalidos. Certa vez, uma criança perguntou à mãe: – Por que sempre que acordo o pão está dormindo? A mãe inventou. Mães vivem de inventar. Inventam até sopa de pedra. Inventam uma vida para chamar de sua. Chama sobrevivência. Narração |
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Recorte cinco – O coração dependurado Título: O coração dependurado Audiodescrição Balança amor pelas orelhas. Balança humanidade. Balança a bailarina. Balança a árvore. Balança o rabo do cavalo. Balança o ginasta. Balança a escada. O terremoto balança o planeta, com mais de sete bilhões de pessoas. O galo marca o aquecimento global. O homem balança o bigode. A menina balança a fita. O pássaro balança as asas. No sacolejo dos dias, as peças vibram labutando por um bom lugar. Não há como o coração não balançar. Está sempre exaltado o pobre. De tanto vai e vem vive por um fio. Narração |
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Recorte seis – Mãos Título: Mãos Audiodescrição Há que se ter boas mãos para pintar a vida. Mãos dão de comer e de beber. Tocam…afagam. Mãos constroem. Sustentam o corpo e falam por ele. Sim, mãos conversam em silêncio. Mãos brilhantes saem da cabeça e sensibilizam docemente o coração. Amparam e sabem levar ao voo. Pena tudo tenha um antagonista. Para toda mão altruísta corresponde uma impiedosa. Assim fez-se o céu e o inferno. Se fôssemos somente azuis, não esconderíamos nossos vermelhos demônios. Vivemos a dividir o mundo em categorias: o preto e o branco, o rico e o pobre, o ateu e o crente, o artista e o resto dos homens, o feio e o belo, o gordo e o magro. Extremos distantes, o Polo Norte e o Polo Sul, apresentam características semelhantes como o frio intenso, apesar de serem diferentes. Se o fio que nos conduz nesta jornada fosse terno, logo veríamos o outro com equidade. Narração |
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Recorte sete – O que pode a flor? Título: O que pode a flor? Audiodescrição Nasce uma flor. Segura o instante menina! Guarda o perfume no coração. Pode que não o sintas outra vez. As mais saborosas memórias são sentidas. Não pertencem à razão. O mundo é um desatino e conheço tuas heresias. Deixa de autopiedade. Ser mundano é ser desacertado. Seja benevolente. Se a ti não perdoas, não anistias a ninguém mais. A beleza de ser reside também no erro. Assim, guarda pequenez. Guarda consciência da tua envergadura. Se és pitangueira não anseie ser um baobá. Ele é poderoso. Abriga animais, aves e insetos. Dá flores e ainda frutos. É símbolo de fertilidade, fartura e cura. É bruto, robusto e enorme. Tu…carregas delicadeza. Sejas flor. Sejas perfume. Sejas pitangueira. Dê frutos rubros à vida. Dê seu sangue ao mundo. Narração |
Conheça mais sobre a artista
Contatos:
Instagram: https://www.instagram.com/desireehirtenkauf.art/
Site oficial: https://www.desireehirtenkauf.com
Biografia:
Desirée Hirtenkauf nasceu em Estrela, cidade do interior gaúcho. Atualmente, reside e trabalha em Lajeado. Filha de pai ioguslavo e mãe brasileira cresceu num ambiente artístico. O avô e o pai alimentavam a paixão pela música, influenciando sua formação cultural, como bailarina e artista plástica, iniciada aos 12 anos de idade através da pintura.
Em 2000 mostra uma de suas telas em uma exposição coletiva, no Espaço Cultural Underground. Passa a fazer cursos de extensão na área das artes visuais. De 2009 a 2016 frequenta o Atelier Livre de Porto Alegre, onde se reconecta ao desenho, levada pelas mãos do professor Renato Garcia.
Foi o início de uma investigação sobre esta linguagem, que se tornou recorrente em sua produção. Contar histórias através de imagens é sua maneira de conexão com o interlocutor, resquício de sua formação em Letras. Com os “desenhos literários”, como ela costuma nomear, cria um mundo estranho e lírico. Imagens repletas de detalhes aprisionam o olhar do observador.
Currículo:
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2009 a 2015 – Curso de Desenho; Ateliê Livre da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Brasil
2006 a 2011 – Curso de Cerâmica; Prefeitura Municipal de Lajeado, Brasil
2006 – Curso O Processo Criativo na Arte, no Trabalho e na Vida Cotidiana; Núcleo Consultoria Psicológica Empresarial, Lajeado, Brasil
2003 – Curso de Cerâmica Avançado; Centro Universitário Univates, Lajeado, Brasil
2003 – Curso de Desenho Avançado; Centro Universitário Univates, Lajeado, Brasil
1979 a 1981 – Desenho Publicitário; Escola Estadual Presidente Castelo Branco, Lajeado, Brasil
Histórico de Exposições:
2019 – Individual Crônicas de Picadeiro; Casa de Cultura de Lajeado, Brasil 2019 – Coletiva Constâncias; Casa de Cultura de Lajeado, Brasil
2018 – Ilustração para o livro de crônicas Crescer é Morrer Devagarzinho, de Laura Peixoto; Lajeado, Brasil
2018 – Via Dupla, em parceria com a artista Virgínia Di Lauro; SESC, Lajeado, Brasil 2017 – Individual Registro; Feira do Livro SESC, Lajeado, Brasil
2016 – Individual Lavoura; UNIVATES, Lajeado, Brasil
2015 – Individual Por Favor, me Diga Quem eu Sou; SESC Lajeado, Brasil
2014 – Coletiva UMA+UMA+UMA+UMA; Atelier Livre Xico Stockinger, Porto Alegre, Brasil 2014 – Individual Gestação; Galeria da Duque, Porto Alegre, Brasil
2013 – Individual Armadilha; Espaço Cultural Clínica Dr Wilson Dewes, Lajeado, Brasil 2007 – Coletiva A cidade é seu Patrimônio; Univates, Lajeado, Brasil
2006 – Individual Mundo Paralelo; Univates, Lajeado, Brasil
2005 – Coletiva Restaur’arte; Casa das Artes Regina Simões, Santa Cruz do Sul, Brasil 2005 – Individual Antes que Seja Tarde; Centro de cultura e Turismo de Estrela, Brasil 2005 – Individual Antes que Seja Tarde; Univates, Lajeado, Brasil
2004 – Coletiva As Mãos dos Ceramistas são seus Olhos; Univates, Lajeado, Brasil 2004 – Coletiva O Mundo em Branco; Univates, Lajedo, Brasil
2002 – Coletiva do Espaço Underground; Lajeado, Brasil