TEXTOS
A (Re)novação
Por Carlinhos Santos*
Atravessamentos sobre tradição e contemporaneidade na aldeia
Na música “Um índio”, de Caetano Veloso, a uma altura da letra há a sentença de o que
aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
quando terá sido o óbvio
No começo do ano, João Paulo Lima Barreto, o primeiro discente indígena ligado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Amazonas, defendeu sua tese de doutorado chamada ‘Kumuã na kahtiroti-ukuse: uma “teoria” sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro’. O estudo vem sendo saudado pela academia por registrar que os povos indígenas têm um modelo epistemológico diferente daquele adotado na educação formal. Que há uma lógica própria, fruto de um universo cultural e antropológico específico. E que essa lógica não pode ser vista sob a ótica do exotismo, mas que precisa ser respeitada como um conjunto de informações importantes para poder olhar o mundo a partir de outras cosmogonias. Um outro conhecimento possível para a humanidade.
O estudo do agora doutor indígena sinaliza que há novas possibilidades do homem do nosso tempo se reconectar com conhecimentos ancestrais. E que eles podem renovar as possibilidades de pensar os rumos do mundo contemporâneo. “Na medida que eu consigo entender o que eu sou, posso construir uma relação com o meu entorno. O conceito de corpo, do ponto de vista indígena, não é apenas biológico. Para nós, o corpo é a síntese de todos os elementos que existem (água, terra, floresta e animal)”, enfatiza João Paulo Lima Barreto.
Olhando para estes elementares de atravessam a vida de descendentes de indígenas e afro-brasileiros que vivem na Serra, por exemplo, a escritora Alessandra Rech e a fotógrafa Janete Kriger registraram no curta “A Sagração do Cotidiano – Benzeduras” como o alento dessas referências aliados à crença contextualizam outra frente de resistência de saberes que renovam a fé humana na ancestralidade e seus ritos de cura. É como se a tal “aldeia global” já descrita por McLuhan agora pusesse seus pés em outros territórios, em aldeias de renovação.
É que, ancorado no passado estava desde sempre o futuro, como nos ensina a pesquisadora Helena Katz. Por isso o povo de São Jorge da Mulada talvez salvaguarde hoje, para a Caxias de agora, um tanto da tradição de saberes e fazeres que inspiram a revisão dos comportamentos urbanos. Seus jeitos próprios dão outros matizes para rever – e renovar – o olhar sobre uma terra tida recorrentemente como produto apenas da colonização italiana.
São outros terreiros e outros territórios que começam a ser instaurados nas leituras sobre a cultura que resiste e se retroalimenta na cidade, na Serra. É como se a velha cantoria de “Mérica, Mérica” precisasse de outras vozes, múltiplas, que reverberem novos cantos para o povo deste lugar. É nesse contexto que os registros musicais do Coro Juvenil do Moinho-UCS – em espetáculos como “Moinho Nômade”, que contou com a participação da cantora moçambicana Lenna Bahule – instauram novas polifonias para o viver aqui. São vozes que afirmam repertórios ancorados ao mesmo tempo na tradição e na renovação. São cantos inquietos “de fuga e aterramento, amor e partida, encontro e reencontro. É poder zarpar sem sair do lugar, posto que é moinho. Mas é também desterritorializar fronteiras de pensamento, sem limitar o tamanho do passo, do pulo, do alcance, posto que é nômade”, como descreva a diretora artística e regente Cristiane Ferronato. Novas cantorias para outros oráculos, que incluem diversidade de credos e cânticos, mas também transitam por outras veredas da Serra.
Como o moinho gira o tempo todo, inaugurar olhares e rever trajetórias sempre coube, de alguma maneira, a vanguardistas ou ancestrais caxienses. Nos anos 1980 a atriz Ítala Nandi, que circulou pelo Palco Giratório Sesc 2022 com o espetáculo “Paixão Viva”, propunha um olhar para as origens caxienses com o documentário “In Vino Veritas”. Revia o mito imigrante e a formação dos coletivos de atuação através o cooperativismo, um tipo de fortalecimento das aldeias e colônias cobertas de videiras. Antes disso, numa outra frente de produção audiovisual, nos anos 1950, o empresário Oscar Boz registrava em imagens caseiras, feitas com sua câmera Kodak Magazine, o cotidiano familiar e cenas de uma Caxias ainda provinciana. A força desses registros atiçou o olhar do diretor Jorge Furtado, que “renovou” a produção audiovisual do caxiense no curta “Oscar Boz: Aprender e Ensinar”, que integra a série “Umas Velhices”, produzida pelo Sesc São Paulo. São imagens atualizadas pelo desejo de afirmar a relevância do que foi percorrido para anunciar novas frentes de olhares e imagens da cultura daqui. São, como afirmaria o doutor indígena João Paulo Lima Barreto, o reconhecimento da diversidade como potência do convívio entre tribos de antes de agora.
E assim, poeticamente, se reinventam esses encontros. No final dos anos 1960, os poetas Oscar Bertholdo, José Clemente Pozenato, Jayme Paviani, Ary Nicodemos Trentin e Delmino Griiti enfeixaram propósitos poéticos no grupo Matrícula. Foram arautos que “vislumbraram outro horizonte. Não quiseram se inscrever no modernismo, mas na modernidade”, como escrevem Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro e Flávio Loureiro Chaves na apresentação de “Matrícula 40”, publicação de 2007 da Educs, que festeja os 40 anos de lançamento de uma coletânea com poemas do grupo e reúne um conjunto de artigos que celebram a fortuna crítica de poetas que pensaram o mundo a partir (e com) a sua aldeia. Lá na virada dos 1960, num excerto de “Mundo Mundo”, o Guardião da Nossa Aldeia José Clemente Pozenato vaticina: “E serás um mundo novo/ mundo nunca imaginado”. Mundos da poesia sobre o lugar renascida pelo olhar do poeta contemporâneo Marco de Menezes, em “Na Subida da Baréa”:
Hoje há fuligem nos plátanos
Há sombra sobre os sobrados
As cinzas do Pinatubo
Espalham-se pela cidade
Hoje há neve nas cortinas
Há luares duplicados
Olhares para sempre antigos
Repetindo-se nos lares
Hoje a névoa desce lenta
E a rua imita um rio
Sob a dura claridade
Hoje há restos de vento
Enfiando-se nas frestas
Dos abraços congelados
Das neblinas às elipses, em derivas poéticas, são dessas tradições relidas e revividas que se realimentam os contextos culturais contemporâneos na aldeia Caxias do Sul. Tipificando os espaços de convívio, as tabas da região, a catalogação de imagens e referências da arquitetura serrana tem registro contundente, pra lá de significativo e relevante, nas fotografias de Aldo Toniazzo e Ary Trentin catalogadas pelo projeto Elementos Culturais da Imigração Italiana no Nordeste do Rio Grande do Sul – ECIRS, da Universidade de Caxias do Sul. Das antigas colônias italianas com suas casas de madeira “bordadas de lambrequins”, suas igrejas e capitéis, reúne-se uma coleção de referências para acreditar na possibilidade de reconstrução de outros patamares culturais para a contemporaneidade caxiense.
Assim, na afirmação da ancestralidade, entre amálgamas de tradição e o esforço de reinvenção, forjam-se contextos e experiências de Norte ao Sul do Brasil. E neste Sul, na latitude serrana, inauguram-se noite e dia novas instâncias para habitar o hoje renovado sempre por novas e contínuas experiências culturais, pelas origens e pelos destinos. Para reverenciar uma história, para renovar a ação.
Referência:
RIBEIRO, Cleodes Maria Piazza Julio e CHAVES, Flávio Loureiro. Matrícula 40. Caxias do Sul, 1ª Ed, Educs, 2007.
*Carlinhos Santos é formado em História pela Universidade de Passo Fundo e em Comunicação Social – Jornalismo, pela Unisinos. Fez especialização em Corpo e Cultura – Ensino e Criação na Universidade de Caxias do Sul, onde também desenvolveu o Mestrado em Educação. É crítico de dança e trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa, produção cultural e curadoria.
A (Re)favela
Por Carlinhos Santos*
Contextos urbanos e territorialidades afirmativas da nova cidade
Na metade dos anos 1990, o jornalista Zuenir Ventura lançou o livro “Cidade Partida”, registrando uma espécie de guerra civil que dividia uma grande metrópole como o Rio de Janeiro entre a favela e o asfalto. Mergulhada numa “paz velada”, visto que as divisões sociais geravam ainda mais contextos de exclusão e violência urbana, a cidade assistia à crescente onda de segregação social. Lá e cá, essas fissuras sociais seguem desafiando o convívio das gentes em pleno século 21.
Em setembro de 2010, quando esteve em Caxias do Sul para o 33º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, em entrevista ao Jornal Pioneiro, o sociólogo Muniz Sodré falou que, “a cidade clássica, burguesa, está mudando. (…) A cidade hoje é reticular, não é mais centro.” Esse novo olhar para a urbanidade pressupõe o entendimento de que as periferias, essas retículas, são os novos centros, os novos espaços onde se forjam outras experienciais sociais e culturais. São novos contextos e novos territórios que propõem outros debates, desenhos e olhares para a forma da cidade.
Assim, ao citar o tropicalista Gilberto Gil, que festejou 80 anos nesse 2022, nos versos de sua canção “Refavela” (), podemos saudar:
A refavela revela aquela
Que desce o morro e vem transar
O ambiente efervescente
De uma cidade a cintilar
A refavela revela o salto
Que o preto pobre tenta dar
Quando se arranca do seu barraco
Prum bloco do BNH
(…)
A favela é um espaço que molda e define o corpo do homem urbano brasileiro. No livro “Estética da Ginga”, a arquiteta e urbanista Paola Berenstein Jacques, mostra como a paisagem e a arquitetura imbricada da favela, com seus sobe e desce de morros e escadas, das gambiarras construídas para dar conta de um jeito próprio de circular pelo lugar, vão definindo “um corpo que ginga”. Esse corpo social brasileiro, esses homens e mulheres – todas, todos e todes – , que circulam pelas quebradas definem uma nova estética e uma nova perspectiva para as releituras contemporâneas das cidades. E Caxias, em sua aldeia urbana, tem, sim, muitas destas quebradas. Pois, voltando à “Refavela” de Gil, existem, sim, novos “saltos” sociais e culturais que Caxias do Sul tem visto surgir, tem visto cintilar.
Na Zona Norte, a Fluência Casa Hip Hop vem afirmar novos espaços para a Cultura Hip Hop propondo educação, inclusão e cidadania. No Aldeia SESC 2021, sediou o Sarau A Periferia é o Novo Centro e, nesse 2022, recebe o Sarau em Movimento. Um espaço que salvaguarda a potência dos encontros mediados por dança, música e artes plásticas. Em outro lado da cidade, no Loteamento Conquista, o projeto Semente Conquista concebido pelo DJ Hood segue os mesmos princípios de fazer da educação e da cultura recursos para dar novos ânimos e outras perspectivas de vida às crianças e adolescentes da região. A presença do projeto naquela comunidade tem redefinido a paisagem do lugar, com a inclusão de equipamentos de lazer e esporte.
São os frames dessa ideia da cidade reticular de Muniz Sodré, que podem se desdobrar num mosaico. Ou no Mosaico da Quebrada com suas várias ações, dentre elas o Escadarias da Quebrada, projeto de intervenção urbana e cultural no Bairro Eusébio Beltrão de Queiróz, Zona Oeste. A proposta concebida pelo rapper e ativista social Chiquinho Divilas e o Instituto SAMbA está dando novas cores ao bairro. Na ação denominada Muros da Quebrada, por exemplo, acabou colorindo várias casas com grafites de artistas da cidade e de outros lugares do Brasil, tais como o carioca Carlos Esquivel da Silva, o Acme, e do paulista Tiago Morya Ishiyama, o Oito80. Como tem dito Chiquinho Divilas, o projeto não é um photoshop social, mas uma possibilidade de redimensionamento do lugar de vida daquela população periférica, reafirmando novas perspectivas de inclusão social e passeios no lugar como o que foi programado para a edição deste ano do Aldeia. E, de olho nas ações em rede, o Beltrão e o Mosaico já armaram pontes com o Teatro Morreba, da Comunidade da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e estão em diálogo com outros projetos sociais do Morro do Alemão. São contextos que, por pensar no coletivo e agir dessa forma, redimensionam as experiências da aldeia diante das conjunturas postas.
Esse panorama mostra como o Brasil estabelecido esse alimenta e se retroalimenta do Brasil em emergência, inaugurando sempre e cada vez de diferentes maneiras, contextos urbanos e territorialidades afirmativas de uma nova cidade. E nessas conexões entre periferias, geopolíticas e geopoéticas, um salve para o rapper Rafa Rafuagi, um dos ativistas do Museu do Hip Hop no Rio Grande do Sul que está no Sarau em Movimento, e suas conexões com o sociólogo português Boaventura Souza Santos, que propõe justamente a revisão das relações entre Norte e Sul do mundo, afirmando a necessidade de uma releitura histórica e sociológica. Rafuagi e Boaventura aproximam ideias e práticas sugerindo que, de novo, a periferia do mundo reorganize o novo centro do debate político e social, da nova ordem mundial, decolonizando as relações da aldeia global.
Assim, diante destes contextos, forjam-se novos lugares de falar e agir, outros discursos e novos territórios de pertencimentos. Não à toa no design brasileiro, uma das peças ícone da dupla de criadores Irmãos Campana é a cadeira Favela. Ela se desenha a partir da coleção de referências sobre os jeitos de construir das casas desses lugares, as gambiarras e os reaproveitamentos de materiais. Num olhar para as manufaturas regionais, vemos o reaproveitamento da palha de trigo nas tramas das dressas, praticadas pelos descendentes de italianos e referência até hoje nos filós comunitários que, à sua maneira, também invocam jeitos de refazer um discurso sobre os lugares da colônia na vida contemporânea. E o que não dizer das vimes trançadas para os cestos que servem para a colheita da uva?! Design de resistência, estética de sobrevivência.
Em meio a tantas questões, uma trilha sonora de resistência, partindo do Gilberto Gil já citado, são as canções revisitadas pelo grupo vocal caxiense Sem Batuta, uma das atrações da Aldeia deste ano e que também já esteve na programação de 2016, quando se festejou o centenário do samba. No contexto da Caxias das cantorias e tarantelas, entre sambas e bossa nova, o grupo a afirma que aqui também se ginga. E como! É na perspectiva da ginga, da ritualidade, da ancestralidade e da potência da dança com matrizes brasileiras e africanas que se insere o trabalho do grupo Cirandeiras – Danças Brasileiras, que, dentre as muitas performances, participou do projeto Videodança RS mostrando que na Serra e em Caxias também há espaço para a brasilidade e a afrodescendência. É desses cruzamentos todos que Caxias se reorganiza urbana, cultural e socialmente. Não à toa a Avenida Brasil atravessa outra área com matizes de “re-favela”, o bairro Jardelino Ramos, que também é conhecido por Burgo. Do alto daquela paisagem vislumbra-se uma nova cidade, múltipla e atravessada pela diversidade, inaugurando novas formas de re-convívio.
Referências:
JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001.
SANTOS, Carlinhos. Janelas de Muniz Sodré. Pioneiro, Caxias do Sul, Coluna 3por4, Sete Dias, página 8, 6 de setembro de 2010.
*Carlinhos Santos é formado em História pela Universidade de Passo Fundo e em Comunicação Social – Jornalismo, pela Unisinos. Fez especialização em Corpo e Cultura – Ensino e Criação na Universidade de Caxias do Sul, onde também desenvolveu o Mestrado em Educação. É crítico de dança e trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa, produção cultural e curadoria.
A (Re)invenção
Por Carlinhos Santos*
Revisões e ressignificações cruzam futuro e passado
No alto da montanha haveria fartura e prosperidade. Tudo para aplacar a fome ancestral, a dureza dos dias, o sofrimento dos migrantes que cruzaram os mares para fazer a América. Esse mito da “cocanha” que atravessa o imaginário dos descendentes de italianos na Serra, expressão que também dá nome a um dos livros da trilogia do escritor José Clemente Pozenato, permite sempre se pensar na possibilidade de reinventar o futuro a partir as narrativas do passado. Aliás, é de outro título dele, “O Quatrilho”, cuja versão para o cinema chegou a concorrer ao Oscar de Melhor Filme estrangeiro em 1996, que também brotam referências sobre os descendentes de italianos que plantaram a terra e a prosperidade no alto da montanha. São feitos culturais no inventário da “honra gringa”.
Para se pensar nas nuances da cultura caxiense e seus entrelaçamentos, são significativas algumas experiências históricas. Em 1949, quando foi criada a Escola Municipal de Belas Artes (Emba), a cidade sinalizava uma vontade de refinamento cultural, afirmando a necessidade de instruir as novas gerações com noções de dança, música e pintura, abrindo o caminho para a criação da Universidade de Caxias do Sul, como relata a pesquisadora Sigrid Nora no livro “Frestas da Memória”. Aliás, foi também por uma herança dessa formação, que se abriu caminho para dois outros momentos importantes da dança caxiense: a criação do Grupo de Dança Raízes, em 1983 e, em 1987, a instituição por mecanismo legal da Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul. As duas formações foram vanguarda em seus contextos. Durante a década de 1980, o Raízes foi o único grupo profissional estável de dança no Rio Grande do Sul acionando novas experiências para a dança local, regional e nacional. Nesta mesma perspectiva de vanguardismo e inovação, a Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul foi a primeira formação da área criada pelo Poder Público no Estado. Experiências que potencializaram a dança caxiense e seguem alimentando novas rumos para a o segmento.
Por isso é feita de atualizações recorrentes a trajetória dessas experiências inovadoras na cultura local. Na área do teatro, por exemplo, a existência do Teatro da Aliança Francesa que, entre 1958 e 1964, movimentou a cena local, atualizou o repertório do público, e ajudou a projetar nomes como o da atriz Ítala Nandi e do filósofo e crítico de teatro Gerd Bornheim. Cenas de um passado recente que ainda pairam pelas coxias e contextos da atual produção caxiense nas artes cênicas.
Outro contexto significativo de resistência e afirmação de articulações sociais e culturais se dá na existência, e renovação, da presença do Clube Gaúcho no cenário local. Espaço que sempre demarcou a presença da matriz africana na sociedade caxiense, esta experiência é retroalimentada desde 1934, quando de sua fundação, e segue como espaço de pertencimento e acolhimento dos afrodescendentes e, ao mesmo tempo, de lugar de troca e diálogos na perspectiva da diversidade e de novas dinâmicas para a cultura contemporânea daqui. Na contramão do apagamento histórico, significativamente a Aldeia SESC 2018, saudava esse contexto relevante da presença afro em Caxias todo com um Saravá!
Essa saudação ao passado/presente, salvaguarda a possibilidade dos convívios de hoje e do futuro. E abre alas para novas trilhas sonoras, dentre elas a de Ivan Diego Feijó da Silva, o Mestre Batata, e sua cadência registrada no curta “De Que Lado Que Tu Samba – O Rufar do Mestre Batata”, dirigido por Ernani Viana Neto, produzido através do edital Criação e Formação – Diversidade das Culturas da Sedac/Fundação Marcopolo. O filme faz um recorte sobre uma aldeia que também evolui no ritmo nacional e tem sua história desfilada em diferentes agremiações e escolas de samba. São recortes de relatos já sistematizados, que afirmam “Presença Africana Na Serra Gaúcha: Subsídios”, como expressa o título de um dos livros da historiadora Loraine Slomp Giron, Guardiã da Aldeia na edição de 2019.
Assim, matizes do antes e do agora salvaguardam ressignificações e reinvenções culturais possíveis. Nesse contexto, é significativo que a tradição da música dos Irmãos Bertussi tenha ganhado sonoridade inovadora e conectada com matrizes músicas contemporâneas no disco “Subtropical Temperado”, do Projeto CCOMA, que fez uma versão pra lá de arrojada para o clássico “Casamento da Doralícia”, eternizado pela dupla que, de São Jorge da Mulada, distrito de Criúva, pôs Caxias na cena musical brasileira nos anos 1950 e que segue reverberando e inspirado novas gerações de músicos pela qualidade e relevância e inovação de uma obra para a música brasileira inspirando vanguardismos sonoros.
Das músicas regionais às óperas e operetas, a história do Cine Theatro Apollo, em 1910, reaberto depois em 1951 como Cine Ópera, é referência para ajudar a pensar na atualidade do debate sobre patrimônio e pertencimento, sobre heranças culturais interrompidas e possibilidades de salvaguardar o repertório arquitetônico e cultural da cidade. Se perdemos o Ópera, como registra o cineasta Robinson Cabral no filme “Cine Ópera – Memória e Identidade” ganhamos a fundamental capacidade de propor reflexões sobre estes contextos através do cinema. O tema volta às telas num segundo momento quando o cineasta cria uma meta-ficção para abordar o mesmo episódio, só que agora com uma narrativa carregada de humor e recortes audiovisuais que borram as margens no conceito de filme documentário: “Quem Matou o Cine Ópera?”.
Assim, quando o trem chega a Caxias em 1910, traz consigo os ares de modernidade que atualizariam a vida social e cultural, tirando-lhe a condição de vila para a nomenclatura de cidade, anunciando uma linha evolutiva para os que aqui viviam. Quase cem anos depois, em 2005 o cineasta Lissandro Stallivieri produz um curta chamado “As Pessoas dos Trilhos do Trem” no qual percorre um trecho da estrada que já não existe mais. Agora, a memória tangencia os relatos e a resistência de um povo que habita o lugar que lhes é possível, na linha de estrada que outrora salvaguardou o futuro de Caxias. É significativo, portanto, que o Aldeia SESC 2022 ocupe a Praça das Feiras, ao lado da Praça do Trem, onde ainda se pode ver no chão o traço dos trilhos de uma parte significativa da vida e da história deste lugar. É nessa instância possível de reinvenção que podemos percorrer novos caminhos.
Referências:
GIRON, Loraine Slomp. Presença Africana na Serra Gaúcha: Subsídios. 1 ed. Porto Alegre: Suliani Editografia Ltda, 2009.
NORA, Sigrid. ; FLORES, M. B. R. . Frestas da Memória. 1. ed. Caxias do Sul: Lorigraf Gráfica e Editora Ltda, 2013.
*Carlinhos Santos é formado em História pela Universidade de Passo Fundo e em Comunicação Social – Jornalismo, pela Unisinos. Fez especialização em Corpo e Cultura – Ensino e Criação na Universidade de Caxias do Sul, onde também desenvolveu o Mestrado em Educação. É crítico de dança e trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa, produção cultural e curadoria.
A (Re)stauração
Por Carlinhos Santos*
Ancestralidade e territórios contemporâneos em convergências
Num artigo produzido durante seus estudos de mestrado, a arquiteta Ana Elísia Costa se refere à Maesa como um lugar da “poética dos tijolos aparentes”. O debate sobre a preservação e o futuro das instalações da antiga fábrica da Metalúrgica Abramo Eberte, no bairro Exposição, evidencia o entrelaçamento entre territorialidade e ancestralidade. Afinal, quando uma aldeia protege suas edificações ícones, sinaliza que abraça sua história como herança e possibilidade de um devir poético para o lugar. Cultura e lazer são os desejos para a Maesa: a transformação de um edifício industrial para um espaço social diverso, múltiplo, dinâmico e humanizado. Possibilidades de convívio dos diferentes grupos sociais que habitam a mesma cidade.
A cultura como um lugar de convergência de ideias e de um debate sobre a nova cidade possível entrelaça e desenha novos mapas urbanos para Caxias. Essa deriva olha para suas edificações de trabalho e fé, de esperança e devoção. Na cidade e na colônia, como faz o filme “Se Milagres Desejais”. Nele, os diretores André Costantin e Nivaldo Pereira descrevem caminhos de Antônio Prado para encontrar capitéis e devoções, narrativas de fé e histórias de acreditar em divindades que abraçam os habitantes daqui e de outros lugares, restaurando a capacidade de nos descobrirmos devotos confessos da vida e da cultura de um lugar.
E, evocando tradições, teria a fé um sabor? A pesquisadora Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro diria que sim, de agnolini, há muito um prato candidato a patrimônio imaterial da Serra. E acrescentaria a sábia Guardiã da Aldeia de 2009 que por aqui, na Serra, há também muita festa. Em suas pesquisas, por muitos anos à frente do projeto Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas no Nordeste do Rio Grande do Sul (ECIRS), ela transita e aproxima saberes sobre festividades, culinária, tradições e memórias do povo que festeja desde sempre a fartura possível. Num suplemento especial comemorativo aos 135 anos da Imigração Italiana na Serra, em artigo denominado “Da Fome à Abundância”, Cleodes escrevia: “Ou seja, a comida abundante parece ter sido desde a origem o principal indicador do sucesso da imigração. Como todo mito fundador, de algum modo ele continuará permeando a formação da cozinha e dos rituais decorrentes, na Região Colonial Italiana. Comer bem será em grande parte sinônimo de ter abundância à mesa”. Ou seja, comida restauradora dos novos tempos.
Mas esta terra é de bravos, dos que desafiaram o basalto para fundar nele uma grande metrópole. Ao citar o poema “Canto e Blasfêmia para a Pérola das Colônias”, de José Clemente Pozenato, o filósofo Jayme Paviani diz no artigo “Canto e Blasfêmia” que o escritor “usa a imagem da cabra (montês, de aço e impiedosa) para falar de Caxias do Sul. A cabra é um ruminante de chifres ocos e arqueados para trás. Também pode designar o cangaceiro valente e perigoso. No caso, a imagem poética expressa os diversos sentidos possíveis do modo de ser, de viver, a psicologia dos habitantes dessa região colonizada por imigrantes e temperada pelo trabalho e pela ideologia de vencer as dificuldades. A cabra montês não se contenta com o ralo regime das ervas. Ela é de aço, pois moe pedra e faz dela o pão e a moeda. Também é impiedosa. E no balanço geral dos versos, Pozenato confessa que odeia e ama a cidade e seu canto “tem todo sabor que sabes/ de blasfêmia/ irada e amorosa”.”
Cantos, odes e reflexões possíveis no percurso dos caxienses. Ou da colônia recontada em fábulas como a do Sanguanel, que endiabra o cotidiano das pessoas em aparições tramadas e tecidas por invenções e crendices que correm pelas narrativas da cidade e da colônia. Restaura-se, também, por este viés, hábitos e tradições do cantadas e contadas nas rodas dos filós, nas habilidades do feito à mão como na poética autoral das roupas criadas por Rico Bracco, que se anuncia como “uma narrativa interiorana contada através da alfaiataria contemporânea feita em linho”. Fabrício Bracco, o designer por trás da marca que inova por ser tradicional, renova por ser estar atada à ancestralidade, diz que busca promover “o vestir atemporal e sem gênero”. Descreve uma autoria arrojada na moda feita aqui na Serra, mas antenada a preceitos e jeitos de fazer sustentáveis e conscientes. Quais sejam: as restaurações possíveis que a moda pode promover no mundo contemporâneo a partir da consciência de seu lugar numa aldeia. Aquela que, justamente por isso, fala ao universal. Aliás, essas tramas criativas e conscientes reverberam no tricô de Cristiane Bertolucci, nas tramas em fios naturais e de metal de Cristina Lisot, nos macramês de Ana Casara e nos projetos de reciclagens de materiais conduzidos pelo Banco do Vestuário ligado à Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Emprego (Sdete) de Caxias do Sul.
Como “futuro é pra quem lembrar”, como diz um trecho do samba “Cabô, Meu Pai”, de Aldir Blanc, Luiz Carlos Da Vila e Moacyr Luz, essa idéia de restaurar ancestralidades para construir novos territórios culturais e semânticos na contemporaneidade é um viés de entendimento dos relatos sobre as aldeias no mundo. Ou sobre o “centro do mundo”, lugar de onde a jornalista e escritora Eliane Brum e mais um grupo de jornalistas ativistas tem construído uma nova plataforma de informar sobre a Amazônia, floresta-mãe do Planeta, a Sumaúma – Jornalismo do Centro do Mundo. Aqui, como necessário se faz para pensar nos destinos do mundo, a ancestralidade reafirma desbravamentos, ativismos e potencias de (re)existir.
E é na anima, como saudou o Aldeia 2019, com a “Celebração do Feminino: Terra, Mãe Mulher”, que se tramam resistências e permanências que reconhecem, por exemplo, o percurso de uma Gigia Bandeira, primeira mulher e afirmar espaço no mundo masculino da funilaria, deixando seu legado para Abramo Eberle, aquele que, voltando ao começo desse texto, construiu a “cidadela” Maesa, onde, pelo querer coletivo, serão abertas novos territórios ancorados na ancestralidade, mas gestores de novos tempos.
Referências:
COSTA, Ana Elísia da. A Poética dos tijolos aparentes e o caráter industrial-MAESA (1945). Seminário DOCOMOMO, v. 4, 2013.
RIBEIRO, Cleodes M.P.J. Da Fome à Abundância, Pioneiro, Caxias do Sul, 135 Anos de Cultura, página 6, 1º de julho de 2010.
A evolução do edifício industrial em Caxias do Sul: de 1880 a 1950 – Ana Elísia da Costa: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/77820
*Carlinhos Santos é formado em História pela Universidade de Passo Fundo e em Comunicação Social – Jornalismo, pela Unisinos. Fez especialização em Corpo e Cultura – Ensino e Criação na Universidade de Caxias do Sul, onde também desenvolveu o Mestrado em Educação. É crítico de dança e trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa, produção cultural e curadoria.
A (Re)conexão
Por Carlinhos Santos*
Redes de sentidos e trajetórias culturais revistas
No começo dos anos 2000, a cena musical caxiense abrigou a performance da banda Cabaret Hitec . A moçada fazia um som com influências de drum´n bass, latin jazz, hip hop, milonga, dub, MPB, organic house, acid funk e psicodelismos afins. Numa de suas letras, “Meio do Nada”, um “ser ou não ser” daqui perpassava as questões existenciais e musicais da moçada:
Chega aqui, aqui é o final
Chega mais perto pra te sentir anormal Abre a mente pra te conhecer
Abre os olhos pro que está pra acontecer
Mostra a cara pra quem quiser ver
Mostra por dentro e por fora também
(….)
O meio do nada sem nada no meio
No meio do nada sem nada no meio
Fazer digressões sobre o meio do nada na cena cultural da Serra Gaúcha é, para além de uma provocação poético-existencial, um recurso semântico para perguntar por que, enfim, nossas conexões culturais no alto da montanha estão sempre a nos desafiar, exigindo recorrentes atualizações. Foi o que fez a Cabaret, inserindo a cena musical local à nacional, como anos depois faria o Projeto CCOMA, chegando a ganhar o Prêmio da Música Brasileira pelo disco “Peregrino” em 2013. Nesse contexto, as duas bandas fizeram das novas tecnologias de produção de arte um recurso para seu download estético e conceitual.
Referência mundial na área da ciberarte, a pesquisadora Diana Domingues, enquanto esteve atuando na cidade, conectou Caxias a pesquisas e ambientes acadêmicos que aproximam arte e tecnologia, construindo espaços de criação e renovação dos repertórios culturais locais. Um esforço para atualização das imagens do nosso tempo. E, nesse contexto, o legado de fotógrafos como Mauro De Blanco , atuante figura do Foto-Cine Clube Caxiense que produziu imagens icônicas de Caxias e da Serra, serve como um álbum de referências sobre a os jeitos de viver aqui e o quanto foram fundamentais os seus registros para dar conta de um passado que até hoje serve como engrenagem para retratar os novos tempos.
E, em se tratando e novos tempos, é significativo que o Aldeia Sesc 2022 contemple a produção contemporânea na área do audiovisual com a inclusão na sua programação da exibição de trabalhos resultantes do projeto LAB Mais que, a partir da qualificação de jovens da periferia, sinaliza a potência de outros relatos imagéticos sobre a vida urbana, se associando a outras visibilidades possíveis a partir de encontros, discursos e relatos de afirmação. Pois é dessas novas imagens que se constrói a diversidade numa aldeia cada vez mais contemporânea, que também acolhe os novos migrantes e suas culturas.
Nesse contexto, o Projeto Movi – Saberes e Fazeres Migrantes reúne projetos, idéias e novos articuladores para a cena artística, cultural e social da cidade. Como se enuncia, o Movi “nasce do desejo de compartilhar saberes e fazeres de diferentes coletivos, comunidades e grupos migrantes”. Numa de suas mais recentes ações, levou à Praça Dante – mesmo local da antológica fotografia do “Inferno de Dante”, do acima citado Mauro De Blanco -, imagens de famílias muçulmanas senegalesas que vivem na cidade com o significativo título de “Ver o Outro”. Pois é também na alteridade que se constrói a diversidade de um lugar. Como faz a artista plástica Vivi Pasqual , que nos últimos tempos também se dedicou a registrar caras e cores de senegaleses, haitianos e muitos outros novos povos que chegaram e ainda chegam a Caxias.
O jeito de registrar a região de colonização italiana e suas nuances, suas paisagens arquitetônicas e humanas, ganhou um trabalho significativo feito na II Bienal do Mercosul, em 1998, quando a artista plástica caxiense Rochelle Costi levou à orla porto-alegrense grandes painéis com imagens das casas da colônia típicas de Caxias e arredores. Uma performance visual sobre pertencimento e afastamento, sobre circunstâncias do morar e de como o olhar contemporâneo precisa ser sempre retroalimentado de novas informações, novas telas, outras conexões.
Como uma imbricada coleção de informações, referências visuais, tramas fenomenologias e estéticas, divagações e questionamentos, o discurso possível para a aldeia contemporânea daqui é o da reorganização dos lugares sociais e das instâncias estéticas que esses novos tempos pedem. É, ao mesmo tempo, falar de diversidade e inclusão, como os discursos e performances do projeto Anarco Queer , que acionou a linguagem da diversidade em diferentes formatos, suportes e plataformas.
E, então, voltaremos a falar de ancestralidade, imagens em fractais, conexões tecnológicas disponíveis e possíveis. Pois é revendo trajetórias e renovando olhares para seguir em frente que se tramam novas possibilidades de interlocuções. É como se ajustássemos o foco na atualização das heranças culturais a partir dessas novas informações dos tempos mediados por telas e mídias. É olhar outra vez para a aldeia e suas potências, ao som dos Tambores da Nossa Aldeia , que desde 2019 seguem reverberando. Pois é da terra que brotam os sons da ancestralidade. E acionam sonoridades como que “no meio do nada”, como cantou a Cabaret Hitec, pedindo novas narrativas para colocar no meio da travessia, das novas redes de conexões.
*Carlinhos Santos é formado em História pela Universidade de Passo Fundo e em Comunicação Social – Jornalismo, pela Unisinos. Fez especialização em Corpo e Cultura – Ensino e Criação na Universidade de Caxias do Sul, onde também desenvolveu o Mestrado em Educação. É crítico de dança e trabalha com jornalismo cultural, assessoria de imprensa, produção cultural e curadoria.
Palavra da Presidência
Celebramos no ano de 2023 a chegada da 10ª edição da Aldeia Sesc de Caxias do Sul. Este ano, com a temática “Brasilidades”, as Aldeias, espalhadas por outras quatro cidades do Rio Grande do Sul, reúnem em suas programações o que há de mais diverso, plural e rico em arte e cultura.
Durante esses 10 anos, a Aldeia em Caxias do Sul foi ganhando força e protagonismo, tornando-se hoje um evento que é aguardado com muito carinho por toda a comunidade caxiense.
Em ações que englobam todos os tipos de manifestações culturais, de forma gratuita, graças à contribuição dos empresários do comércio de bens, serviços e turismo, conseguimos nos aproximar do público, artistas, produtores e demais envolvidos no cenário cultural da região.
É uma satisfação para o Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac estar à frente de tantos programas e projetos que buscam o fortalecimento da arte no Estado. Desejamos que todos possam ter a oportunidade de participarem das nossas atividades e conhecerem de perto o trabalho que desenvolvemos.
Que a cultura siga crescendo no Rio Grande do Sul. No que depender de nós, seguiremos reafirmando o nosso compromisso com este segmento tão importante.
Contem conosco!
*Luiz Carlos Bohn
Presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac
Brasilidades: Um Universo de Possibilidades na Nossa Aldeia
*Por Luciana Stello, diretora do Sesc Caxias do Sul
Uma das maiores riquezas de uma comunidade, ou Aldeia, como gostamos de chamar, são as pessoas que a compõem. Nossa história, que remonta à imigração italiana, é um testemunho vivo de como diferentes culturas podem se entrelaçar e enriquecer mutuamente. Não é de hoje que nossa Aldeia tem sido abraçada por pessoas de diversas nacionalidades e origens, e essa diversidade cultural é o que nos faz singulares e, ao mesmo tempo, profundamente conectados com o mundo.
Somos produtos dessa mistura de influências, e nossa identidade está em constante evolução, moldada pelas vivências e diálogos que temos com a pluralidade cultural que nos cerca. Enquanto aprendemos uns com os outros, também deixamos a nossa digital no mosaico cultural. Essa troca constante de experiências é o que nos define como Aldeia.
É chegada a hora de celebrar as inúmeras “Brasilidades” que compõem a nossa Aldeia. Nossa cultura é um verdadeiro tesouro, repleto de riquezas que vão muito além de qualquer rótulo único. O Brasil não se encaixa em um único estilo ou vertente; ele é um mosaico de influências, tradições e saberes que se mesclam de forma fascinante. Nosso país, nosso estado e nossa cidade são palcos de diversas culturas, e é legítimo que todos esses matizes sejam representados em um festival cultural.
No entanto, sabemos que, mesmo com mais de uma centena de atividades planejadas ao longo de oito dias de festival, não conseguiremos abranger todas as possibilidades que essa riqueza cultural nos oferece. A diversidade da nossa Aldeia é vasta e multifacetada, e é um desafio empolgante explorar, compartilhar e celebrar tudo o que ela tem a oferecer. M’as, ao mesmo tempo, é importante reconhecer a impossibilidade de abarcar completamente essa riqueza cultural em um único evento.
Na 10ª edição da Aldeia Sesc Caxias – Brasilidades, buscamos dar voz a muitas dessas expressões culturais, oferecendo um repertório amplo com artistas, mestres, contadores de histórias e indivíduos que representam todos os cantos do Brasil. E, mesmo que não possamos abraçar todas as manifestações culturais do nosso país, nossa intenção é promover o entendimento, o respeito e a apreciação pela diversidade que nos define como nação.
Assim, enquanto celebramos as “Brasilidades” na nossa Aldeia, lembramos que o verdadeiro espírito desse evento vai muito além do palco, oficinas e das exposições. É sobre a capacidade de nos unirmos, compartilharmos experiências e reconhecermos o valor da diversidade que nos enriquece. É uma celebração do Brasil em toda a sua complexidade, um tributo à riqueza cultural que molda nossa identidade coletiva, e um convite para explorar e valorizar as muitas nuances que fazem da nossa Aldeia um lugar tão especial.
Vida longa à nossa Aldeia. Vida longa à Aldeia Sesc Caxias!
VÍDEOS
ANGELA MARTINS - Destaque Representatividade Social
Ela é presença! Ela é presente! Ela é resistência! Mulher preta potente, de fala doce. Aprendiz de percussão, artesã de arte e cultura popular, oficineira, devoradora de livros, modelo, poetisa de rua, madrinha de bloco carnavalesco. Assim como um xequerê, que pelas suas mãos, é tramado e tocado. assim como uma boneca abayomi que ela mesma já ensinou como era confeccionada pelas mulheres e mães negras e escravas com pedaços de suas saias – único pano para acalmar e trazer alegria para todos – ela é abrigo para seus amigos e os faz família.
Ela é uma figura onipresente na nossa aldeia!
BEVERLI ROCHA - Destaque Comunicação Social
Ela é uma super mãe, também é tia, é filha, é Maria! Quando pensamos nela, é impossível não relacionar com aquela canção do Milton Nascimento, “Maria, Maria”, porque ela é força, é raça e possui um dom, uma certa magia! Traz na pele essa marca e possui a estranha mania de ter fé na vida. Sim, ela tem fé na humanidade, nas pessoas, em Caxias. Jornalista por profissão, daquelas que faz uma entrevista render, ser leve e descontraída e que sempre encontra algo positivo, mesmo diante do caos ou das dificuldades. Dinâmica e apaixonada por literatura, podemos até dizer que ela é uma escritora da vida cotidiana.
Ela comunica e é ação. Já foi mestre de cerimônias da nossa Aldeia e é figura presente em todas as edições!
CHIQUINHO DIVILAS - Destaque Música e Inclusão Social
Da sua quebrada ele ganhou o mundo, percorrendo muitos lugares, sempre afirmando que “o estudo é a cura”. Ele é como uma música, ou seria poesia, do Racionais que ele mesmo conta que salvou a sua vida. “Nego Drama” que sobrevive em meio às honras e covardias, periferias, vielas, cortiços.
Você deve tá pensando: O que você tem a ver com isso?” Rapper, educador, pesquisador e escritor. Doutorando e mestre em diversidade cultural e inclusão social. Idealizador do projeto “Mosaico na Quebrada”. Integrante do projeto “RAPajador”, lançado no Aldeia Sesc 2018, projeto que aproxima a cultura hip-hop à cultura sul-riograndense, propondo um encontro das rimas do rap com os versos da pajada.
JOSÉ CLEMENTE POZENATO - Destaque Patrimônio Cultural e Literatura
Uma das nossas maiores riquezas, com certeza, são as experiências vividas e guardadas na memória e no coração, mas quando compartilhadas por meio de uma escrita generosa, essa riqueza torna-se ainda mais incalculável. Ele é filósofo, escritor, tradutor, professor e poeta. Possui uma vasta produção no gênero da crônica e diversos livros de poesia e ficção, onde explora crítica e realisticamente o cenário e as tradições da região de colonização italiana do rio grande do sul. Foi ele que colocou nossa cidade no mapa do Oscar com sua obra “O Quatrilho”, de 1985, adaptada para o cinema em 1995. Com sua genialidade em plantar a cultura italiana no contexto da literatura brasileira, ainda oportunizou que outras obras suas fossem adaptadas para a TV. Numa entrevista em 2017 disse: “Toda minha obra de ficção poderia ser resumida numa frase: a luta do indivíduo com as instituições. Que instituições? Todas… e a chamada moralidade pública é uma delas, talvez a mais tirana de todas.” Ele é resistência e uma das grandes contribuições para a cultura local, regional e nacional.
JORGE VALMINI - Destaque Artes Cênicas
O artista recria o mundo, contempla e transforma a realidade. A arte cantada, escrita, encenada, contada – ou em forma de poesia – é um respiro necessário. A arte é o nosso refúgio, o alimento da nossa alma.
Ele é ator, contador de histórias, roteirista e diretor, músico, compositor e poeta. Há mais de três décadas atua ou produz na cena teatral caxiense e se diz amante à moda antiga da dramaturgia. Considera que a essência desta arte está no encontro – seja do elenco para preparar uma peça ou com o público na execução do espetáculo.
Ele é inspiração, é resistência e re-existência.
NIVALDO PEREIRA - Destaque Cultural
Ele é todo inspiração. Dá voz a alma e as nossas inquietações. nos leva ao paralelo mundo do invisível, do energético, eleva nossa crença em dias melhores, mas não sem antes passar pela tempestade da transformação, um sinônimo que o define, é estrela-guia.
Provocador, especialmente aos costumes mais conservadores, criou a Audrey Turner, personagem fictícia que apontava a caretice e a cafonice. Ôxe! Resistência pura. Jornalista, astrólogo, roteirista, escritor, professor, baiano de nascimento, gaúcho de coração. Também foi membro convidado da equipe da nossa Aldeia em duas edições, essa mesma Aldeia escorpiana que ele diria que tem seu estilo próprio, que detesta assuntos triviais e que traz na sua essência uma grande força emocional e muita coragem.
REJANE RECH - Destaque Atuação Social
Proteger, resguardar, oferecer auxílio, ser mãe de outra espécie, e tanto faz se tem quatro patas, três ou duas, se é novinho, velhinho, peludo ou sem pelo.Ela veio ao mundo para nos ensinar sobre esse amor incondicional. A gente chega até desconfiar que ela seja uma emissária de São Chiquinho.
Engenheira química e professora, realiza um grande e conhecido trabalho social e voluntário, numa doação sem fim. É engajada nos projetos, “Livro bom pra cachorro”; “Cabrita vende”; “Engenharia solidária”. A nossa Aldeia fala sobre resistir. Somos natureza, e temos uma conexão com o todo onde essa deveria ser a nossa impressão digital.
RESISTÊNCIAS - Coletivo Meio, de Caxias do Sul
Conheça o “Coletivo Meio”, formado por arquitetos, arquitetas e urbanistas de Caxias do Sul que, coletivamente, ampliaram o escopo de atuação, trazendo outras vertentes profissionais, trazendo à tona às questões relacionadas à cidade e a autonomia das populações vulneráveis a partir da arquitetura. O trabalho é belíssimo!
Curtiu? Acompanhe também a atuação do Coletivo via Instagram: @ocoletivomeio.