"Ocupamos o lugar de protagonistas"
“Do ponto de vista da representatividade é fundamental que temos, hoje, exemplos de Mulheres
Palhaças, que exploram a diversidade do ser mulher. Não uma visão genérica e estereotipada de mulher, mas contextos cômicos em que o lugar da mulher na própria sociedade também são temas gerados da comicidade e reflexão.
Também importante pontuar que não se trata de uma identidade homogênea, padronizada. Pelo contrário, os movimentos de Palhaçaria feita por mulheres têm debatido o quanto a identidade está repleta de tensionamentos e cruzamentos com questões que perpassam tanto as categorias identitárias quanto as idiossincrasias de cada palhaça. Então podemos falar de comicidades, num plural bastante diverso.
Pela perspectiva histórica, de um modo geral, a gente vê que de umas décadas para cá, os figurinos das palhaças foram ganhando liberdade: as mulheres não precisam mais ser ‘palhaços’. Também ocorreu um aporte a novos temas para a comicidade e gags clássicas, reflexões que geram identificações, mas também fricções com artistas e público.
Também reflito que o movimento de redes tem sido um disparador fundamental. As oficinas, os encontros, os festivais direcionados congregam e gestam novas redes de palhaças. Geram reencontros, reforçam os laços afetivos e compartilhamento de saberes. Eu analiso isso como uma característica muito forte das Palhaças no Brasil, o que dá a própria noção de identidade uma perspectiva coletiva, compartilhada e não apenas uma perspectiva individual, contribuindo para o respeito mútuo. As redes de Palhaças, os grupos e os festivais têm contribuído significativamente para indicar e demonstrar a diversidade existente na Palhaçaria feita por mulheres.”
Raquel Guerra – Palhaça Contorciocida Carniça Podre (Rio Grande do Sul)
“Desejo conhecer, cada vez mais e mais, palhaças na ânsia de descobrir novas possibilidades de figuras, tempos cômicos, dramaturgias que são criadas em corpos parecidos com o meu. Nos festivais, cabarés, teatros é possível ver uma gama de mulheres produzindo, criando e tecendo cada vez mais profundamente este vasto universo.
Eu e minha dupla Camila Barra, na Minha Dupla Cia., resolvemos nos inspirar, também, nas mulheres das nossas famílias, nas nossas mães, avós, tias, que se tivessem a oportunidade e espaço, talvez decidissem ocupar os picadeiros como protagonistas para mostrarem seu lado jocoso, cômico de palhaças.
Nos inspiramos também nas histórias e vivências das mulheres da cultura popular que vem conquistando espaço em alguns brinquedos populares e ocupando o lugar de protagonistas, como é o caso do Maracatu Rural Coração Nazareno, em Nazaré da Mata- PE, o primeiro Maracatu feminino de Baque Solto, feito só por mulheres. Quando ocupamos o lugar de protagonistas seja nos brinquedos populares, seja na palhaçaria estamos nos fortalecendo umas às outras e colocando nossas questões e nossa voz em pauta.
No Maracatu Coração Nazareno os versos das Loas nos falam sobre gênero e violência, alertando a sociedade sobre as questões que as mulheres daquele lugar perpassam. Assim como nas dramaturgias que nós palhaças estamos construindo tratamos sobre questões de gênero, padrões de beleza, gordofobia entre outros temas que nos perpassam e contribuem para a construção de um espaço mais igual, que nos caiba, que nos contemplem, que seja também nosso.”
Nathalia Cantarino. Palhaça Vitória Régia da Minha Dupla Cia. Artística (Rio de Janeiro)